sábado, 5 de novembro de 2011

Ciladas Verbais



“O homem bom do bom tesouro do seu coração tira o bem, e o homem mau do mau tesouro do seu coração tira o mal, porque da abundância do seu coração fala a boca.”
Lucas, 6:45
A palavra mal conduzida tem causado danos irreparáveis em todos  os tempos.
As ciladas ardilosas do verbo têm derrubado impérios e sido responsável por dores incontáveis na história humana.
Ainda hoje, analisando os mecanismos da comunicação incrementada pela tecnologia, observamos que o homem sofisticou a arte do “mal dizer” para consumar seus objetivos ante as coletividades. Graças à nossa inferioridade moral, o manejo do verbo raramente atende a objetivos libertadores, chafurdando-se em pântanos espirituais pelas criações vibratórias que elabora.
A transformação de nossa bagagem espiritual, dirigida a metas maiores, encontra na indisciplina verbal um de seus mais envelhecidos hábitos a renovar.
Entre nós, seareiros espíritas, nos nossos grêmios de trabalho, como não poderia deixar de ser, também assinalamos os prejuízos lamentáveis do verbo invigilante, já que ainda não rumamos de todo para atitudes enobrecedoras nas linhas da espiritualização. O conhecido “disse-que-disse” tem sido explorado com astúcia em desfavor do progresso da obra do Cristo, tornando-se instrumento de manejo com o qual muitos adversários ferrenhos do bem e da Verdade, em ambos os planos da vida, têm dilatado as labaredas crepitantes de ódio, desânimo, rancor, ressentimento e melindre entre os servidores da nobre causa do Amor.
Se desejamos ser úteis ante o fogo comburente das intrigas e mentiras, selecionamos nossas palavras, nosso modo de falar, com quem falamos, para que falamos, onde falamos, como a exercer um curso de educação verbal, urgentemente necessário para a hora que vivemos.
Avoca-se agora em nossos ambientes o “direito de resposta” como medida de transparência e resgate da Verdade, e então são usados os recursos de difusão doutrinária para trocas antifraternais e irônicas. Da nossa parte, embora guardemos os melhores sentimentos pelos que assim procedem, constatamos que nesse quadro temos algumas lideranças descuidadas da prática do Evangelho, enredadas em exudantes halos vibratórios de “línguas espirituais inferiores”, carcereiras do verbo inútil, em regime de servidão às “hordas do além” ou ainda aprisionadas a seus próprios interesses particulares, que tornam veículos contumazes de noticiário leviano e de defesas apaixonadas. E como se estivesse prestando honrosos serviços à causa, pregam frases e chavões conhecidos entre nós, tão somente para estigmatizar pessoas ou grupos que apenas cultivam idéias diversas às delas, e que, somente por isso, não merecem, segundo suas concepções, a estima ou o crédito de nossa Seara...
Em outros lances, a inveja e o ciúme, excrementos do orgulho e do egoísmo, têm acitado a fala malsinada e inspirado a hipocrisia de homens dominados pro frágil capacidade de ação nos campo espirituais, que ainda não assumiram em definitivo o compromisso de se superar ante as suas consciências. Encontra-se, nesse mecanismo de ferir e difamar, a compensação emocional de que se vêem escravos, alegando estar servindo à coletividade com informes pretensiosos e interesseiros, em autêntica “manobra política”, atraindo para si os grupelhos de sua qualidade moral para fortalecer sua ação e rebaixar quantos sejam alvos da sua mordacidade, já que, quando sozinhos, no encontro consigo mesmos, sentem-se impotentes, frágeis e lamentavelmente frustados...
Esses quadros emocionais são velhos conhecidos de nossas experiências religiosas seculares, quando então não diligenciamos pela sendas da autenticidade, envergando responsabilidades sacerdotais sagradas, e fenecemos em nossos deveres, nascendo os  c omplexos culposos que se fortaleceram, mantidos pela falsidade das atitudes, frente às autoridades que dizíamos servir. Hoje, repetindo a mesma ação, tomados por um sentimento de falsidade não superado, agredimos os outros, neles depreciando aquilo que, em verdade, temos em abundância no coração.
Se realmente desejamos fazer algo frente a tudo isso, convenhamos que o primeiro e mais significativo passo será aprender a ouvir sem sentenciar juízos imediatos, para não macular-nos com a precipitação.
Três são as origens das mais comuns ciladas verbais: a má comunicação, a presença de influência espiritual e os problemas emocionais, os quais levam a boca a falar daquilo que está cheio o coração. Esse último item deve ser o centro de nossas reflexões, por que aí reside a maioria expressiva das nossas problemáticas da fala.
Portanto, ao verificarmos esses quadros de leviandade nos lábios invigilantes, apenas ouçamos, façamos nossa avaliação e retiramos a parte boa, se ela existir, ou, quando não, enveredamos pelo caminho da indulgência para iluminar o verbo enfermiço.
Ninguém há, por mais descuidado ou infeliz em sua ação, que mereça o nosso desprezo, nosso sectarismo pertinaz manifestado em emoções que chegam ao asco ou à descriminação.
Todos somos irmãos e, muita vez, nós que não conseguimos, por agora, compreender as suas atitudes e realizações, amanhã veremos que estão a serviço da Divina Providência, na edificação de alternativas que ainda não conseguimos entender, ou ainda, são irmãos menos experientes na sedimentação dos valores evangélicos em suas atitudes, portanto, credores sim da nossa caridade.
Independente disso, tenhamos sempre o verbo amigo a quem quer que seja. Coloquemos o nosso próximo acima da própria doutrina que tanto amamos, pois que nos servirá amar a causa e desprezar o próximo? De que nos valerá defender a pureza de nossos princípios e diminuir os valores de pessoas que, muita vez, servem a Deus por caminhos que desconhecemos ou não entendemos até então?
Fraternidade hoje e sempre, com quem quer que seja, e quando verificarmos alguém se fazendo portador de “juízos inquisitoriais”, incluamo-lo em nossas preces e chamemo-lo, se pudermos, carinhosamente, para a vigilância esclarecida a fim de que se liberte das ciladas verbais.
Não percamos nosso respeito e consideração por ninguém, principalmente pelos que aprendemos a respeitar no trabalho honesto da doutrina, e que, comumente, são o alvo preferido para as mentiras mais ardilosas da treva, as quais  lhes tentam  empanar as claridades por eles esparramadas nos gloriosos caminhos de sua existência. E ainda que esses sejam vítimas de enganos ou obsessão, inertenemo-los  na clínica de nossas preces e estendamos as mãos para que, quanto antes, possam retornar à luz.
Amigos da caminhada espiritual!
Todos somos ajudantes da última hora. Por mais devotemos ao labor, ainda será parco o nosso óbolo.
Contribuamos, cada qual, com o que pudermos,  porque todos, sem exceção, estamos no aprendizado que iniciamos há milênios.
Nenhum de nós detém virtude ou credencial que nos confira determinar os caminhos alheios, quando se trate da obra que o Senhor está erguendo.
Deus, em sua complacência, aceita-nos a todos como somos; por que então seríamos nós a decretar juízos excludentes e infamantes, com “penas purgatoriais” a nosso confrade  de jornada que obra por outras veredas, ou se encontra penalizado por provas que talvez não suportaríamos?
Se temos discernimento, convicção e fundamentos que nos permitam avaliar com  acerto os desatinos alheios, façamos uso de nossas qualidades para a tarefa do amor. Enxergar para pisotear é marca dos bárbaros...
Vigiemos nosso verbo procurando sempre as melhores conotações acerca dos outros e, se não conseguirmos erigir uma poesia de louvor ou respeito, guardemo-nos no silêncio construtivo.
Trabalhar pela melhoria de nossas palavras e da nossa comunicação é uma campanha de incomparável valor, a bem das nossas frentes doutrinárias.
O fascínio pelo fanatismo e mórbido, que tanto ainda nos atrai, deverá ir sendo substituído, o quanto antes, pelos preceitos redentores do Evangelho em nossos corações, a fim de que nossa boca destaque sempre o lado Divino que há em tudo e em todos, pronunciando ao mundo aquilo de que deve estar cheio o nosso coração.
Cícero Pereira.    


Série:  Atitudes de Amor
Livro:  Unidos pelo Amor  - cap. 17 – 2ª parte
    


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