“O Espiritismo não cria a renovação
social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade.
Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude
de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é
mais apto, do que qualquer outra doutrina, a secundar o movimento de
regeneração; (...)”
A Gênese Cap.XVIII - ITEM 25
Cidadania é a prática da convivência social, respaldada na cooperação e na cumplicidade.
O ato da
cidadania significa formar uma cosmovisão da vida, integrando-se no ecossistema
planetário de forma construtiva e solidária. O princípio estrutural dessa
cosmovisão é a natureza, interdependente do homem em sua trajetória evolutiva.
Uma rede de processos e sistemas sustenta o dinamismo natural da evolução, no
qual o homem receberá retorno conforme os resultados felizes ou infelizes na
forma de interagir com esse “todo”.
Sob a ótica
universal, a palavra sociedade tem seu conceito ampliado. Inicialmente ela é o
contexto cultural no qual o espírito renasce corporalmente, conquanto saibamos
ser impossível dissociar as sociedades intercontinentais e também a espiritual,
pois formam um ecossistema universal.
Nesse
ecossistema galáctico, ao findar do segundo milênio, a humanidade carnal
contabilizava aproximadamente 6,5 bilhões de almas sob a tutela da
reencarnação, enquanto os “censos” espirituais davam conta de24 bilhões de
espíritos fora do corpo. Nesse cenário, de 30 bilhões de seres inteligentes
compondo a população geral do planeta, algumas conjecturas otimistas levam-nos
a calcular um contigente de espíritas em 1%. Esses dados servem-nos para aferir
o que representa ser espírita em pleno século XXI, considerando alguns poucos
milhões de criaturas adeptas das propostas doutrinárias, ou com alguma forma de
contato com as obras elementares do Espiritismo.
Com esse
tesouro incomensuravelmente valioso para a felicidade da Terra, temos de nos
perguntar: qual será a nossa postura como cidadãos, perante a gama de tragédias
e problemas sociais que afligem os continentes materialistas? Estamos fazendo
brilhar a luz e assumindo o papel de “sal da terra”?
A reclusão
dos pólos de produção espírita, no contexto das céleres mudanças no orbe, é
algo que merece demorada atenção de quantos guardam poder de influência na
opinião, ou daqueles que se interessam em promover um debate urgente sobre a
participação efetiva do espírita nessa etapa, que o senhor Allan Kardec
designou como período da renovação social.(10)
Torna-se
imperativo estudar a questão da convivência dos centros espíritas com a
sociedade. Observam-se, sem exageros, corações sofrendo por ausência de
orientação espiritual, mas residindo ao lado das abençoadas agremiações de
amor. O objetivo dos núcleos doutrinários deve ser a formação do homem de bem(11),
através da participação consciente e responsável no progresso. O receio
infundado ou mal conceituado de proselitismo tem incentivado um distanciamento
das necessidades comunitárias. Essa omissão estabelece uma aura de pureza nos
círculos de Espiritismo, com adoção de condutas puritanas, quando se espera autenticidade,
alegria e melhoria de quem lhes freqüenta as frentes de serviço. Dessa forma,
impede-se a possibilidade do diálogo participativo e realista, sobre as lutas
pessoais nas experiências diárias, subtraindo o ensejo de conduzir as temáticas
espíritas para uma contextualização.
O
desenvolvimento de “projetos cidadãos” será excelente alternativa para que as
células de Espiritismo promovam-se, da condição meritória de casas de caridade
assistencialistas, para sociedades
geradoras de responsabilidade social e integração libertadora. Não basta o
estudo informativo. É imperioso levar essa cultura doutrinária ao patamar de
transformação efetiva e promocional, atingindo o caráter de institutos de ética e cidadania à luz do
espírito imortal.
O eminente
educador Paulo Freire nos asseverou, em oportuno debate na vida espiritual, que
“o desenvolvimento de projetos de convivência social, ou a ecologia social,
deve ter como prioridade a educação moral “no” povo, porque essa é a educação
que transforma e, da qual, todas as camadas sociais necessitam, contando ainda
com a natural facilidade de não poder ser impedida por parte de nenhuma
estrutura hegemônica ou conservadora. Essa educação apregoará uma cidadania
centrada em deveres, mais do que em direitos, concitando o homem à tomada de
uma nova postura social.”
Essa
educação moral, mais que passar conteúdos espíritas, será a iniciativa de
inserir a “pedagogia de projetos”, preparando a criança, o jovem, o adulto e o
idoso ao desenvolvimento de habilidades afetivas, produtivas, cognitivas e
espirituais, pertinentes à cosmovisão de vida que o Espiritismo nos proclama,
integrando-nos na condição de seres universais proativos.
Precisamos
aprender a florir onde formos plantados.
A pedagogia
da assistência promocional é valorosa, porém, subjetiva e, nem sempre,
educativa na sua atual configuração um tanto “conversionista”. Mais que
difundir conceitos carecemos de desenvolver valores, laborar com as
competências que brotam do intercâmbio natural, entre os centros e a comunidade,
prezando, antes de tudo, a convivência, a parceria, banindo a reducionista
expressão “assistência social”, substituindo-a por “responsabilidade social”,
ou outra que melhor atenda a essa característica de cidadania. Urge deixar de
conceber essa iniciativa dos Centros Espíritas como mera tarefa, passando a
aplicá-la como um campo natural de interação renovadora, um pólo atrativo para
engrandecimento de almas que se dispõem a gozar e confirmar a sua condição de
cidadãos cósmicos.
Distanciemo-nos
das miragens da presunção e da arrogância, as quais nos levam a acreditar em
teses religiosas descabidas de conversão em massa. Nem o espírita nem o
Espiritismo terão ingredientes suficientes para provocar a renovação social. Ao
contrário, a sociedade é que decide, na sua sagrada condição de livre-arbítrio,
o “instante Divino” de absorver a Verdade e buscá-la. Nesse momento, os
conceitos imortais, como assevera o
codificador, vão secundar, isto é, vão coadjuvar esse processo, em razão de seu
poder moralizador e de suas tendências progressistas. Compete, pois, aos que já
se encontram na lides da espiritualização de si mesmos, o dever de abrir
janelas para o mundo, atestando com seu exemplo o esplendor da mensagem
rediviva do amor, em plena forma de viver como Cidadãos do Universo.
Ermance Dufaux, Livro: Unidos pelo Amor - cap. 7 - 1ª parte
(10) Revista Espírita – dezembro de 1863 – Período de Luta.
(11) O
Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVII, item 3.
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