“Uma Sociedade, onde aqueles
sentimentos se achassem partilhados por todos, onde os seus componentes se
reunissem com o propósito de se instruírem pelos ensinos dos Espíritos e não na
expectativa de presenciarem coisas mais ou menos interessantes, ou para fazer
cada um que sua opinião prevaleça, seria não só viável, mas também indissolúvel.
A dificuldade, ainda grande, de reunir crescido número de elementos homogêneos
deste ponto de vista, nos leva a dizer que, no interesse dos estudos e por bem
da causa mesma, as reuniões espíritas devem tender antes à multiplicação de
pequenos grupos, do que à constituição de grandes aglomerações. Esses grupos,
correspondendo-se entre si, visitando-se, permutando observações, podem, desde
já, formar o núcleo da grande família espírita, que um dia consorciará todas as
opiniões e unirá os homens por um único sentimento: o da fraternidade, trazendo
o cunho da caridade cristã”.
O Livro dos Médiuns
Cap. XXIX – item 334
Mudança é o
que mais carece nossa seara nos dias de hoje. Mas, como exige esforço,
preferimos adiar, e o tempo passa...
A começar
pela nossa mudança interior, tudo aponta para uma necessária e urgente
reformulação de caminhos, se quisermos alcançar metas mais eficazes em nossos
serviços de espiritualização.
Mudança de
métodos, mudança de conceitos, mudanças de modelos, mudança de mudança...
Sabemos que
o homem é o fundamento básico de quaisquer mudanças. Nossa primeira medida, em
um programa de resultados sazonados, será trabalhar com a mentalidade. Cuidar das questões problemáticas da nossa seara, apenas
remediando efeitos indesejáveis, é o mesmo que extirpar uma praga ameaçadora
dos galhos da árvore desvitalizada, sem fertilizá-la na raiz.
Os cursos e
palestras acrescem discernimento, mas discernimento sem serviço reparador é
tesouro guardado no cofre.
As conversas
sadias ampliam a análise, mas se esta é derrotada pelo tempo, nada constrói de
útil.
O livro é
informação à disposição, mas se não materializamos seus informes na atitude,
seguramente, servirá apenas como referência a citar.
Os
congressos são encontros de efusivos estímulos e atualização, mas se
distrairmos com seu caráter festivo, retornaremos aos nossos ambientes de labor
resvalados na frustação.
As reuniões
de estudos e os eventos de confraternização são iniciativas de esclarecimento e
reciclagem de conhecimentos aos trabalhadores, mas como estão sendo ministrados
esses conteúdos para aqueles que constituem as bases culturais de nosso
movimento?
O
intercâmbio mediúnico amplia horizontes para além de nossas percepções comuns,
mas se não lhe absorvemos, no dia-a-dia, a essência, deixamos de cumprir nossa
parcela de compromisso frente ao esforço dos desencarnados.
Portanto, os
cursos, as conversas, o livro, os congressos, os estudos, os eventos e a mediunidade são fontes de conhecimento e permuta de valores
renovadores da mentalidade, e quanto mais circularem com fidelidade à proposta
do Espírito Verdade, mais contribuirão pela efetivação das transformações que
urgem.
Por nossa
vez, além do incentivo a todos esses instrumentos de iluminação, propugnamos
pelas ações debatedoras, as quais ainda são escassas em nossos recintos. Os
fóruns de debate permanente são uma estratégia de luz para nosso programa de
reciclagem cultural e mudança mental. Uma cultura de debate honesto, límpido,
salutar em questionamentos e destituído de preconceitos sectários é uma
medicação oportuna às nossas degenerações no organismo da coletividade
doutrinária.
O objetivo
dos debates é a instauração de uma “massa” crítica, capaz de ocasionar rumos e
referências novas através de iniciativas lúcidas e fraternas para o bem, e que
se ajustam à lógica do pensamento espírita-cristão.
A essência
pedagógica dos debates é, eminentemente, apropriada e atual ao momento cultural
do homem moderno, já que fatores sócio-políticos, dentre eles a mídia,
estimularam o nocivo contributo da paralisia mental, conduzindo o homem a
joguete do materialismo.
Da mesma
forma que a cultura em geral, nossas escolas doutrinárias espíritas foram
contaminadas pela “sacralização de idéias” e pelo imobilismo. É imprescindível
extirpar esse espírito dogmático e epidêmico...
Educar-se para pensar sob uma perspectiva espiritualizante
é um desafio de rara oportunidade. Nosso pernicioso costume de colecionar
certezas ainda é subproduto do dogmatismo milenar que nos acompanha, e debater
é encetar dúvida naquilo que temos como certeza para que, a partir daí,
tenhamos um novo coeficiente de visões e raciocínios que promoverão uma nova
percepção do tema, tornando-o mais rico, útil, versátil. Mais significativo que
colecionar respostas é aprender a investigar pedagogicamente, filosofar para
crescer.
O exercício
do debate promove a crítica, e essa, por sua vez, amplia os ângulos de enfoque
que, sendo repensados, dificilmente ensejam conclusões apressadas e
definitivas, ferindo de morte as opiniões herméticas e, muita vez, insensatas
de encarnados ou desencarnados.
Nada pode
ser intocável ou dogmatizado para quem realmente deseja aprender e oxigenar
conceitos no aprofundamento da visão dinâmica da vida. Sobretudo a construção
do saber espírita tende para a criação de perguntas, e não para a acomodação em
respostas prontas. Somente corações livres por dentro não se apegam a respostas
prontas, que funcionam como “distintivos de cultura” no reino da vaidade.
O princípio
básico do debate é o de que, nada sendo perfeito, tudo pode ser melhorado para
ter mais utilidade, permitindo aos debatedores expressarem-se com idéias mais
arejadas frente ao relativismo universal, e mais apropriadas à sua segurança e
necessidade individual.
O hábito
enfermiço de criar padrões, teorias prontas, definições morais, estereótipos
éticos são frutos dessa atitude dogmática esterilizante. Daí porque pensar e
pensar, sempre revendo os assuntos sob óticas diversas, com respeito a todas as
opiniões, será instrumento revitalizador da cultura espírita que refletirá
novos horizontes e perspectivas.
Já não se
trata apenas de trocas de idéias, mas também
de sentimentos nos debates, deve-se tomar alguns cuidados para que não
resvale para o campo dos desequilíbrios. Sobretudo, o verdadeiro fórum de
investigação é altamente educativo, por colocar os debatedores em contato com
suas emoções, com os quais terão ensejo de se autoconhecer e laborar na
disciplina da assertividade.
Por terem
alcançados melhores noções e mais recursos no campo da experiência, nossa
proposição de fóruns de debate é mais indicada aos dirigentes e lideranças, sem
quaisquer contra-indicações a outros que logrem realizá-los dentro de padrões
éticos aceitáveis pela civilidade. Carecemos urgentemente de incentivar essa
iniciativa entre os formadores de opinião.
Muita vez,
grupos desse estirpe se formam circunstancialmente pela afinidade e são levados
a grandes realizações doutrinárias. Mas, porque não formá-los de modo
organizado? Uma reunião permanente, regada em afeto e confiança hauridos em noites de encontro fraterno, catalisando
essas direções regionais, estaduais e, quem sabe, no futuro nacionais, a fim de
discutir temas da atualidade, a interessante informação mediúnica recente, o
livro inspirado que fora lançado, o evento fomentador de informes novos que foi
partilhado pela maioria, a releitura de conceitos doutrinários, a atualização
provida pelas pesquisas e descobertas científicas de fora do meio
doutrinário ou, quem sabe, o debate
específico de uma matéria comum a nossas tarefas, como a mediunidade, a
criança, a ciência...
Por essa
razão as perguntas serão instrumentos de aprendizagem do ato de conhecer. Como
adequar a didática dos centros espíritas para estarem em sintonia com os pilares
da educação moderna? Que renovação deve ser aplicada à metodologia de ensino
espírita para que se ajuste aos apelos do homem cibernético? Como as posturas
éticas nos estudos doutrinários podem oferecer melhor o aprendizado? Como a
dogmatização de conceitos afeta o progresso das idéias espíritas? Por quais
razões não nos agrada ter nossas idéias criticadas? Qual a origem do hábito de
dogmatizar? Como conciliar a homogeneidade proposta pelo codificador e a
importância da diversidade? Por que a frase citada no item acima “(...) unirá
homens por um único sentimento” não foi
escrita assim: “(...) unirá os homens por um único pensamento”? Por que
Jesus não respondeu a pergunta de Pilatos? Com tantos livros escritos sobre
Espiritismo, respondendo as mais variadas questões, por que criar fóruns de
debates nos centros espíritas?
Mentalidades
só serão mudadas a partir de ambientes propiciadores de segurança para trepidar
nossas certezas. Certezas essas que são ancoradas, quase sempre, pelos nossos
milenares sentimentos estruturados no orgulho, quais sejam o exclusivismo, a
vaidade, a ganância, o personalismo de destaque.
É
fundamental abalar nossas certezas de concepção e abrirmo-nos a análises
imparciais, acerca de outras vertentes de conhecimento e informação sobre a
diversidade dos assuntos da humanidade, criar pontes de saber entre a cultura
espírita e os valores do saber acadêmico, científico e filosófico. Entre nós,
nas salas de estudos espíritas, favorecer a dúvida, a consulta, o salutar
hábito de discordar sem tornar-se antipático. Como nos é imprescindível
aprender a discordar! Discordar com amor, eis o desafio. Discordar com
embasamento, eis o dever.
Os fóruns de
debate constituirão instrumentos amplamente oportunos ao aceleramento das
mudanças tão propaladas, e, temos para nós que, acima de tudo, eles representam
o verdadeiro espírito unificador do movimento, porque ali, além de partilharmos
idéias e sentimentos, nascerá, espontaneamente, o desejo de comprometer-se com parcerias construtivas e solidárias de uma
para outra casa, vindo a esboçar o movimento de união e aproximação
espontânea pelo qual todos nos encontramos em trabalho.
Contudo,
convenhamos, tudo isso só será possível de uma forma que muita vez costumamos
esquecer: agindo. Comecemos e aprendamos fazendo.
Jesus foi o
maior debatedor da humanidade. Embora muitos lhe acentuem depreciativamente o
espírito pacífico e resignado, ele foi o revolucionário mais fraterno dos
últimos dois mil anos.
No Sermão do
Monte ele relativiza a lei e os profetas, dizendo “eu porém vos digo”
Com os
fariseus debate sobre o tributo a César e exara a superioridade de Deus.
Com a
multidão faz um discurso realista sobre a hipocrisia de escribas e fariseus, debatendo a
essencialidade do ser.
Jesus debate
com a mulher serofinícia e comprova um dos maiores exemplos de fé do Evangelho.
O sábado, um
dos mais intrigantes temas de debate da época, é questionado pelo Mestre com a
força do exemplo.
Mas o debate
que mais nos fascina é o de Jesus com Pilatos, no qual, para abalar as certezas
do governante, o Senhor deixa a maioria de suas perguntas sem respostas,
principalmente sobre a Verdade...
Cícero Pereira.
Texto
extraído do livro Unidos pelo Amor.
Wanderley S.
de Oliveira
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