domingo, 6 de novembro de 2011

Movimentos Paralelos


Movimentos Paralelos
“E João lhe respondeu, dizendo: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava demônios, o qual não nos segue; e nós proibimos, porque não nos segue.
Jesus, porém, disse: Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e passa logo falar mal de mim.
Porque quem não é contra nós é por nós.
Porquanto qualquer que vos der a beber um copo dagua em meu nome, porque sois discípulos de Cristo, em verdade vos digo que não perderá o seu galardão”.
Marcos, 9:38 a 41.
As mudanças culturais na virada do milênio estão levando-nos a transformações necessárias na utilização das palavras. Revisões de conceitos e novas descobertas solicitam termos novos para expressarem com exatidão as idéias que surgem.
A expressão movimentos paralelos é remanescente da década de 40, período de largo domínio cultural do mecanicismo newtoniano, em que se formulou uma visão cartesiana da vida. A utilização de semelhante expressão nos dias atuais pede não só uma revisão conceitual, mas também uma avaliação moral.
Usada inicialmente por corações bem intencionados, porém, portadores de ingênuas projeções quanto ao futuro, a expressão em foco justificou-se na sua origem face o momento histórico pelo qual passava o movimento em torno das idéias do Espiritismo.
Guardando o propósito de fortalecer o processo de soma e adesão institucional, “paralelo” era todo grupo ou atividade que não se alinhasse a parâmetros que teciam a identidade do Espiritismo brasileiro, junto às honrosas entidades unificadoras. Algumas vezes esse chavão foi utilizado, por certas almas sensíveis, apenas para alertar sobre cuidados em não se executar trabalhos em duplicidade, mera perda de esforços... O tempo se incumbiu de alterar o sentido original em razão da carga emotiva que passou a representar. Da visão inicial de medidas puramente organizativas e de concentração de esforços, passou a traduzir sentimentos de exclusão e discriminação...
No seu aspecto conceitual, a designação em análise comporta uma releitura. Algumas dissidências, cismas, aposições existentes no movimento social espírita devem ser vistos como resultados, e não como fatos isolados ao sabor do personalismo humano. Resultados sistêmicos oriundos de um processo nascido e desenvolvido na dimensão “eco-organizacional” da doutrina. Parte integrante de um todo que carece estudos aprofundados para estabelecermos uma teoria social interna do movimento espírita, com pena de continaurmos prestigiando a marginalização em nome de uma utopia nos terrenos de inidade, caso desdenhemos galgar essa reflexão de profundidade.
Só existem “movimento paralelos” porque se instituiu o “movimento oficial”, afora isso tais iniciativas seriam avaliadas como quaisquer outras existentes na vinha. O critério de serem mais ou menos produtivas e úteis advém dos fatores comuns que estipulamos para avaliar qualquer tarefa, naquilo que ela possa oferecer de melhor a quem participa ou se beneficia.
A tarja “paralelo” tem subtraído de determinadas pessoas ou grupos a chance de terem suas idéias avaliadas com isenção de ânimo.
Estudando algumas causas do surgimento do que ficou batizado como movimento paralelo, entenderemos melhor a inconveniência dessa terminologia. Vejamos apenas três das razões mais costumeiras para o surgimento de frentes novas de trabalho:
      Revanchismos personalistas – inegavelmente existem cizânias por simples desejo de prestígio pessoal; e, mesmo nesse caso, em que há franca ausência de habilidades para a solução de conflitos de parte a parte, será injusto tributar a alguém esse rótulo separatista, porque fica a impressão de que os “não-alinhados” com o sistema vigente é que são portadores dessa inabilidade ao diálogo, sendo que nem sempre é assim, conforme sabe...
      Cismas – os cismas tornaram uma conotação negativa, mas são muito bons a quaisquer movimentos que desejam crescer. Condicionou-se uma visão de atitude infeliz a de dividir, separar, desvincular. O problema não é dissidir, mas como se faz a dissidência. Quando efetivada sem mágoas e agastamentos, são caminhos de promoção muito bem vindos e que atendem à natural diversidade humana.
      Necessidades específicas – esse o ponto que mais nos chama a atenção. Qualquer sistema humano, que não deseje implodir-se no centralismo cultural e administrativo, deve prezar o pluralismo. Ainda mais se tratando de uma doutrina com caráter universal como é o Espiritismo. A adoção do policentrismo e a eleição de uma cultura plural, estribada no livre-exame, trarão benefícios ostensivos à causa, porque ampliarão o quadro das organizações específicas na execução de misteres variados, que até então o designado “movimento oficial” não teve e nem terá possibilidade para dinamizar em razão da gigantesca demanda sócio-espiriutal que pede apoio e rota, nas mais variadas esferas da atividade humana. Grupos que guardam afinidades específicas, em torno de fatores que os unem no carreiro evolutivo, vincular-se-ão, espontaneamente, para grandes ideais frente às suas aptidões e tendências, conforme os ditames da consciência.
Movimento paralelo, portanto, tornou-se hoje um código elegante e conveniente que significa “trabalho não aprovada” , “ação suspeita doutrinariamente”, “movimento sem valor”, “atividade subversiva”. Uma senha descaridosa  que retrata o espírito sectarista que ainda ronda a nossa gleba abençoada. Um equívoco lamentável do egoísmo humano que se fantasiou no preconceito com objetivos de exclusão e desdém. Uma infidelidade total aos motivos antepassados que a usavam com propósitos de soma e união por se fazer, asilando pleno respeito no coração a quantos fossem os “paralelistas”.
      Para o Cristo não existem serviços dispensáveis ou de menor valor, e, não importando o que faça a criatura, nesse ou naquele setor da seara, o amor deverá se a tônica de suas ações, evitando a cruel exclusão e a desprezível indiferença com os diferentes.
      O projeto unificador incentivado pelo mais alto é salutar “estratégia” a fim de exercitarmos o espírito comunitário. Nessa ótica, quaisquer convenções, as quais sirvam de instrumentos oficiais de separatismo ou peça institucionalista cerceadora, precisam se revistas e corrigidas, pois são desvios que consagram o personalismo e a disputa, a hegemonia e a antifraternidade.
      Em matéria do movimento humano pelo Espiritismo, a outorga irrestrita e a oficialização de conveniências institucionais constituem grande obstáculo ao progresso da proposta renovadora do Consolador. Aceitável e justo será o respeito e a cooperação com os mais experientes, com as organizações bem sedimentadas que queiram delegar responsabilidades ou com as entidades sólidas e historicamente bem desenvolvidas, absorvendo-lhes o manancial de lisonja que embalam sonhos de missões celestiais elencadas por decretos divinatórios.
      Tenhamos siso e relações construtivas, sem embrenharmos pela edificação de idolatria e reverência incondicionais, transformando a fé e a capacidade realizadora em dogmatismo inoperante, sob os auspícios de grilhões estatutários ou regimes “vaticanistas”.
      A existência de um perfil de identidade, tendo como eixo de unidade os princípios fundamentais e as leis naturais, será não só valiosa medida preservativa, mas fator facilitador na construção da cultura espírita. Dispensável será que, para a consecução dessa tarefa, tenhamos que reviver “cruzadas e inquisições” ao sabor da força institucional.
      Carecemos repensar questões como: que atitudes exercitar nas tarefas espíritas na superação da pretensão pessoal? Como discernir quando encerra nossa cooperação ao serviço do Cristo e inicia a atuação do interesse pessoal? Como agir quando um componente da equipe de tarefas fascina-se com o excessivo valor pessoal que julga possuir? Quais seriam as atitudes mais expressivas para o trabalho espírita, a fim de distanciar o personalismo?
      Quando nosso movimento espírita desenvolver com mais amplitude a cidadania e a razão, constataremos com maior precisão a inconveniência de expressão movimentos paralelos. Até lá, se desejamos utilizá-la, busquemos, pelo menos, vigiar a  atitude proibitiva, como fez João na passagem evangélica aqui destacada.  Ao invés de censurar, recorremos sim a Jesus, em prece, para indagar-lhe: Senhor há alguns que não nos seguem, o que dizes a mim sobre eles? Certamente na acústica da alma, verdadeiramente matriculada no aprendizado do amor, uma meiga e doce resposta se fará sentir, conduzindo-nos a amplas e elevadas meditações... Jesus, em sua alteridade, ante o apelo sectário do apóstolo inexperiente, exemplificou a postura de pluralismo e universalismo com seus ensinos, quando estabeleceu: quem não é contra nós é por nós.
      Se Paulo não superasse o formalismo judaico, possivelmente o Evangelho morreria asfixiado pelas injunções do Sinédrio, impedindo-nos de fruir suas benesses. Reflitamos nisso, porque o doutor de Tarso outra coisa não fez senão produtivo “movimento paralelo”...

               

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