Movimentos Paralelos
“E João lhe
respondeu, dizendo: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava demônios, o qual
não nos segue; e nós proibimos, porque não nos segue.
Jesus, porém, disse:
Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e passa logo
falar mal de mim.
Porque quem não é
contra nós é por nós.
Porquanto qualquer
que vos der a beber um copo dagua em meu nome, porque sois discípulos de
Cristo, em verdade vos digo que não perderá o seu galardão”.
Marcos, 9:38 a 41.
As mudanças culturais na virada do milênio estão levando-nos
a transformações necessárias na utilização das palavras. Revisões de conceitos
e novas descobertas solicitam termos novos para expressarem com exatidão as
idéias que surgem.
A expressão movimentos paralelos é remanescente da década de
40, período de largo domínio cultural do mecanicismo newtoniano, em que se
formulou uma visão cartesiana da vida. A utilização de semelhante expressão nos
dias atuais pede não só uma revisão conceitual, mas também uma avaliação moral.
Usada inicialmente por corações bem intencionados, porém,
portadores de ingênuas projeções quanto ao futuro, a expressão em foco
justificou-se na sua origem face o momento histórico pelo qual passava o
movimento em torno das idéias do Espiritismo.
Guardando o propósito de fortalecer o processo de soma e
adesão institucional, “paralelo” era todo grupo ou atividade que não se
alinhasse a parâmetros que teciam a identidade do Espiritismo brasileiro, junto
às honrosas entidades unificadoras. Algumas vezes esse chavão foi utilizado,
por certas almas sensíveis, apenas para alertar sobre cuidados em não se
executar trabalhos em duplicidade, mera perda de esforços... O tempo se
incumbiu de alterar o sentido original em razão da carga emotiva que passou a
representar. Da visão inicial de medidas puramente organizativas e de
concentração de esforços, passou a traduzir sentimentos de exclusão e
discriminação...
No seu aspecto conceitual, a designação em análise comporta
uma releitura. Algumas dissidências, cismas, aposições existentes no movimento
social espírita devem ser vistos como resultados,
e não como fatos isolados ao sabor do personalismo humano. Resultados
sistêmicos oriundos de um processo nascido e desenvolvido na dimensão
“eco-organizacional” da doutrina. Parte integrante de um todo que carece
estudos aprofundados para estabelecermos uma teoria social interna do movimento
espírita, com pena de continaurmos prestigiando a marginalização em nome de uma
utopia nos terrenos de inidade, caso desdenhemos galgar essa reflexão de
profundidade.
Só existem “movimento paralelos” porque se instituiu o
“movimento oficial”, afora isso tais iniciativas seriam avaliadas como
quaisquer outras existentes na vinha. O critério de serem mais ou menos
produtivas e úteis advém dos fatores comuns que estipulamos para avaliar
qualquer tarefa, naquilo que ela possa oferecer de melhor a quem participa ou
se beneficia.
A tarja “paralelo” tem subtraído de determinadas pessoas ou
grupos a chance de terem suas idéias avaliadas com isenção de ânimo.
Estudando algumas causas do surgimento do que ficou batizado
como movimento paralelo, entenderemos melhor a inconveniência dessa
terminologia. Vejamos apenas três das razões mais costumeiras para o surgimento
de frentes novas de trabalho:
Revanchismos
personalistas – inegavelmente existem cizânias por simples desejo de
prestígio pessoal; e, mesmo nesse caso, em que há franca ausência de
habilidades para a solução de conflitos de parte a parte, será injusto tributar
a alguém esse rótulo separatista, porque fica a impressão de que os
“não-alinhados” com o sistema vigente é que são portadores dessa inabilidade ao
diálogo, sendo que nem sempre é assim, conforme sabe...
Cismas – os cismas tornaram uma
conotação negativa, mas são muito bons a quaisquer movimentos que desejam
crescer. Condicionou-se uma visão de atitude infeliz a de dividir, separar,
desvincular. O problema não é dissidir, mas como se faz a dissidência. Quando
efetivada sem mágoas e agastamentos, são caminhos de promoção muito bem vindos
e que atendem à natural diversidade humana.
Necessidades específicas – esse o ponto
que mais nos chama a atenção. Qualquer sistema humano, que não deseje
implodir-se no centralismo cultural e administrativo, deve prezar o pluralismo.
Ainda mais se tratando de uma doutrina com caráter universal como é o
Espiritismo. A adoção do policentrismo e a eleição de uma cultura plural,
estribada no livre-exame, trarão benefícios ostensivos à causa, porque
ampliarão o quadro das organizações específicas na execução de misteres
variados, que até então o designado “movimento oficial” não teve e nem terá possibilidade
para dinamizar em razão da gigantesca demanda sócio-espiriutal que pede apoio e
rota, nas mais variadas esferas da atividade humana. Grupos que guardam
afinidades específicas, em torno de fatores que os unem no carreiro evolutivo,
vincular-se-ão, espontaneamente, para grandes ideais frente às suas aptidões e
tendências, conforme os ditames da consciência.
Movimento paralelo, portanto, tornou-se hoje um código
elegante e conveniente que significa “trabalho não aprovada” , “ação suspeita
doutrinariamente”, “movimento sem valor”, “atividade subversiva”. Uma senha
descaridosa que retrata o espírito
sectarista que ainda ronda a nossa gleba abençoada. Um equívoco lamentável do
egoísmo humano que se fantasiou no preconceito com objetivos de exclusão e
desdém. Uma infidelidade total aos motivos antepassados que a usavam com
propósitos de soma e união por se fazer, asilando pleno respeito no coração a quantos
fossem os “paralelistas”.
Para o Cristo
não existem serviços dispensáveis ou de menor valor, e, não importando o que
faça a criatura, nesse ou naquele setor da seara, o amor deverá se a tônica de
suas ações, evitando a cruel exclusão e a desprezível indiferença com os
diferentes.
O projeto
unificador incentivado pelo mais alto é salutar “estratégia” a fim de
exercitarmos o espírito comunitário. Nessa ótica, quaisquer convenções, as
quais sirvam de instrumentos oficiais de separatismo ou peça institucionalista
cerceadora, precisam se revistas e corrigidas, pois são desvios que consagram o
personalismo e a disputa, a hegemonia e a antifraternidade.
Em matéria do
movimento humano pelo Espiritismo, a outorga irrestrita e a oficialização de
conveniências institucionais constituem grande obstáculo ao progresso da
proposta renovadora do Consolador. Aceitável e justo será o respeito e a
cooperação com os mais experientes, com as organizações bem sedimentadas que
queiram delegar responsabilidades ou com as entidades sólidas e historicamente
bem desenvolvidas, absorvendo-lhes o manancial de lisonja que embalam sonhos de
missões celestiais elencadas por decretos divinatórios.
Tenhamos siso e
relações construtivas, sem embrenharmos pela edificação de idolatria e
reverência incondicionais, transformando a fé e a capacidade realizadora em
dogmatismo inoperante, sob os auspícios de grilhões estatutários ou regimes
“vaticanistas”.
A existência de
um perfil de identidade, tendo como eixo de unidade os princípios fundamentais
e as leis naturais, será não só valiosa medida preservativa, mas fator
facilitador na construção da cultura espírita. Dispensável será que, para a
consecução dessa tarefa, tenhamos que reviver “cruzadas e inquisições” ao sabor
da força institucional.
Carecemos
repensar questões como: que atitudes exercitar nas tarefas espíritas na
superação da pretensão pessoal? Como discernir quando encerra nossa cooperação
ao serviço do Cristo e inicia a atuação do interesse pessoal? Como agir quando
um componente da equipe de tarefas fascina-se com o excessivo valor pessoal que
julga possuir? Quais seriam as atitudes mais expressivas para o trabalho
espírita, a fim de distanciar o personalismo?
Quando nosso
movimento espírita desenvolver com mais amplitude a cidadania e a razão,
constataremos com maior precisão a inconveniência de expressão movimentos
paralelos. Até lá, se desejamos utilizá-la, busquemos, pelo menos, vigiar
a atitude proibitiva, como fez João na
passagem evangélica aqui destacada. Ao
invés de censurar, recorremos sim a Jesus, em prece, para indagar-lhe: Senhor
há alguns que não nos seguem, o que dizes a mim sobre eles? Certamente na
acústica da alma, verdadeiramente matriculada no aprendizado do amor, uma meiga
e doce resposta se fará sentir, conduzindo-nos a amplas e elevadas meditações...
Jesus, em sua alteridade, ante o apelo sectário do apóstolo inexperiente,
exemplificou a postura de pluralismo e universalismo com seus ensinos, quando
estabeleceu: quem não é contra nós é por nós.
Se Paulo não
superasse o formalismo judaico, possivelmente o Evangelho morreria asfixiado
pelas injunções do Sinédrio, impedindo-nos de fruir suas benesses. Reflitamos
nisso, porque o doutor de Tarso outra coisa não fez senão produtivo “movimento
paralelo”...
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